Comemorada pelo Palácio do Planalto, a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de validar o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), representa um alívio para as contas do governo e, em especial, para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que vai poder contar com cerca de R$ 40 bilhões para o Orçamento nos próximos dois anos.
Moraes decidiu nesta quarta-feira (16) manter a maior parte do decreto do governo, revogando apenas a cobrança das operações do risco sacado. O governo estimava arrecadar R$ 12 bilhões a mais em 2025 e R$ 32 bilhões em 2026 com as novas regras do IOF. Porém, com a saída do risco sacado, esse valor será reduzido em R$ 450 milhões em 2025 e R$ 3,5 bilhões em 2026. Com isso, a Fazenda conseguiu segurar o cumprimento do arcabouço fiscal, pelo menos neste ano.
Foi mantida a incidência do imposto sobre os planos de Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), ao contrário do que pleiteava o Congresso. Aportes acima de R$ 600 mil por ano (ou R$ 50 mil por mês) em VGBL — plano de previdência complementar — passam a ter incidência de 5% de IOF.
A decisão precisa ser referendada pelo plenário da Corte, mas tem efeito imediato e retroativo. Isso significa dizer que todas as operações de crédito para pessoa jurídica — MEI, empresas do Simples e grandes empresas fora desses regimes — tiveram a alíquota dobrada, conforme determinava o decreto presidencial de junho, e essas regras voltam a valer.
O Projeto de Decreto Legislativo (PDL), que derrubou o aumento, também foi suspenso, e os pagamentos que não foram efetuados desde então deverão ser regularizados. O mesmo se aplica ao IOF cambial. Ou seja, as compras de dólar agora voltam a pagar 3,5% por operação.
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O acordo entre líderes parlamentares e Executivo, costurado em reuniões na semana passada, já previa a exclusão do risco sacado, operação em que uma empresa antecipa um recebível junto ao banco, com base no compromisso de pagamento futuro dos clientes. A modalidade não é considerada operação de crédito, já que não há responsabilidade financeira compartilhada.
Para Murilo Viana, analista de contas públicas, o governo apostou no IOF pela facilidade de arrecadação. “Diferente de outros impostos, o IOF tem aplicação imediata e entra direto nos cofres da União, sem precisar passar pelo Congresso nem respeitar o prazo de vigência”, diz. “Mudanças no Imposto de Renda, por exemplo, só podem valer a partir do ano subsequente à aprovação.”
Com o recurso do IOF assegurado, a equipe econômica poderá postergar novos bloqueios e contingenciamentos do Orçamento no anúncio do próximo Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP) — que avalia se a arrecadação e os gastos do governo estão alinhados com a meta fiscal do ano — na semana que vem.
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IOF traz alívio fiscal para o governo, mas causa insegurança jurídica
Embora tenha representado um remendo para a questão fiscal, o imbróglio do IOF se transformou num problema político, configurado no cabo de guerra entre Congresso e governo. Mas representa, sobretudo, um risco jurídico que se soma a outros que compõem o ambiente de insegurança jurídica no país, com impactos negativos no investimento e, consequentemente, no crescimento econômico.
O governo recorreu ao STF alegando invasão de competência por parte do Legislativo ao derrubar o decreto, uma vez que a Constituição confere ao Executivo o poder de alterar as alíquotas do IOF, desde que respeitados limites legais e vinculados a finalidades regulatórias — como o controle da economia ou da política monetária.
Segundo essa interpretação, o Congresso não poderia usar o PDL como instrumento para interferir nessa competência legítima do Executivo, pelo princípio da separação dos Poderes.
Do outro lado, o Congresso argumentava que o decreto ultrapassou os limites legais ao ter finalidade predominantemente arrecadatória, o que exigiria aprovação por meio de lei ordinária. O PL foi o primeiro partido a recorrer ao STF, alegando desvio de finalidade.
O entendimento é que o próprio ministro Haddad chegou a explicitar a motivação. Nessa perspectiva, o Legislativo teria o direito e o dever de sustar o ato por meio do PDL.
Na decisão, Moraes admitiu que a alteração das alíquotas do IOF não teria extrapolado o parâmetro máximo fixado em lei e não foi comprovada uma finalidade arrecadatória.
Para a constitucionalista Vera Chemim, partindo do pressuposto de que a análise do conteúdo do decreto do Executivo corresponda efetivamente às previsões constitucionais e legais, “não há o que se questionar do ponto de vista jurídico”.
“Mesmo assim, a afirmação de que não houve comprovação de que o IOF será manipulado para fins arrecadatórios deixa margem para dúvidas, uma vez que Haddad já teria observado publicamente que a alteração das alíquotas do IOF teria a finalidade de cobrir déficits das contas públicas”, destaca.
Para Chemim, o Congresso atuou dentro de suas prerrogativas ao sustar o decreto presidencial que majorou as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). “Você tem lá um regime democrático que decidiu pela promulgação daquele decreto legislativo com número expressivo de votos: 383 na Câmara, além da aprovação simbólica no Senado.”
Ela acredita que a decisão “pode ser traduzida como um apoio incondicional ao Chefe do Poder Executivo, relativamente ao Poder Legislativo, competente constitucionalmente para fiscalizar os atos normativos daquele poder”. A especialista demonstra preocupação com a politização da Corte.
“A troca de um consenso (entre todos os representantes políticos) por uma constante judicialização de temas políticos constitui um dos principais fatores que levaram ao fortalecimento do STF e ao seu ativismo judicial, tornando aquela Corte cada vez mais politizada, resultando na atual controvérsia em que a decisão do tribunal se sobreponha a uma decisão de um poder político”.
O tributarista Gabriel Vieira ressalta, no entanto, que apesar de ter natureza regulatória, o IOF pode ter a função arrecadatória de forma secundária. “A jurisprudência reconhece a possibilidade de função arrecadatória desde que não seja o objetivo principal e permanente da medida”, diz. “O caso envolve limites do poder Executivo na tributação. O STF geralmente respeita a margem de discricionariedade do Executivo em temas econômicos.”
Fonte: Gazeta